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Tang Ping. Os Jovens Chineses Estão a Rejeitar a Cultura Do Trabalho

“Tang ping”. Os jovens chineses estão a rejeitar a cultura do trabalho #

Excerpt #

O fenómeno chama-se consiste na rejeição do trabalho e do consumismo e a sua popularidade tem deixado o Governo chinês apreensivo.


O novo fenómeno chama-se tang ping e consiste na rejeição do trabalho e do consumismo. O movimento tem ganho popularidade entre os jovens e o governo chinês está apreensivo.

Simplesmente largar tudo e não fazer nada é um desejo tão comum entre os jovens chineses que a tendência até já tem um nome – tang ping, que significa ficar deitado. Mas o Governo chinês não acha piada nenhuma à ideia.

Este estilo de vida consiste na recusa de participar na sociedade consumista e em jornadas de trabalho longas em empregos exploradores. Quem adere é incentivado a perseguir os sonhos ou descansar como o Buda.

Acredita-se que o termo nasceu numa publicação numa rede social chinesa. “Ficar deitado é um movimento sábio. Só ao ficarem deitados podem os humanos ser a medida de todas as coisas”, escreveu um utilizador do fórum Tieba, citado pela BBC.

O movimento espiritual começou também a ser debatido na plataforma Sina Weibo e tem inspirado vários memes. À AFP, um técnico de laboratório chamado Wang de 24 anos afirma que “enviar currículos foi como tentar pescar uma agulha num oceano”.

“Somos pressionados pela sociedade e só queremos uma vida mais relaxada… ‘ficar deitado’ não é esperar pela morte. Eu continuo a trabalhar, mas não me sobrecarrego“, afirma Wang.

A discussão começou com uma publicação num blog de um homem chamado Luo Huazhong, que se demitiu do seu emprego numa fábrica e foi de bicicleta do Sujuão até ao Tibete com a pequena quantidade de dinheiro que arrecadou de alguns trabalhos que foi fazendo ao longo do caminho.

Huazhong escreveu em Abril: “Tang ping é um direito justo. Significa tomar a iniciativa, escolher o Buda e não lutar por fama ou fortuna”. Depois da agitação que a sua ideia causou, Luo Huazhong disse que lhe pediram para parar de dar entrevistas.

O site de notícias Sixth Tone avançou que um grupo de tang ping criado na plataforma Douban contava com 6 mil membros. No entanto, tanto a publicação no Tieba como o grupo no Douban já foram apagados e a #TangPing foi banida do Sina Weibo, numa aparente tentativa de travar o crescimento da popularidade da tendência.

Sina Weibo

O tang ping tem inspirado muitos memes nas redes sociais chinesas

Mas já era tarde demais. O governo chinês coloca ênfase no trabalho, na inovação e no consumo e já está a tentar combater a ideia: “perante a pressão, escolher o tang ping não é só injustificável, mas também vergonhoso“, escreveu um jornal ligado ao Partido Comunista Chinês. Uma emissora do partido refere também que “aceitar os infortúnios é bom, mas o tang ping não”.

De acordo com um jornalista chinês citado pelo Raw Story, o “tang ping refere-se ao facto de que muitos jovens não querem comprar um apartamento ou um carro, não querem casar ou ter filhos e simplesmente consumir – preferem manter um padrão mínimo de sobrevivência – e não ser uma máquina de fazer dinheiro para outra pessoa“.

O sociólogo Yi Fuxian acredita que o desespero também faz parte do fenómeno e que este é um sintoma de uma sociedade envelhecida, já que nos anos 90 cerca de 31% da população chinesa era jovem, enquanto que o número baixou para 17% actualmente.

Os jovens não têm vontade de lutar, segundo Yi Fuxian, já que não têm forma de mudar o status quo. Isto pode levar à redução da vitalidade económica de toda a sociedade e é essa possibilidade que preocupa o governo.

A cultura do trabalho extrema na China também é um factor, num país onde é comum trabalhar-se 12 horas por dia, seis dias por semana. As rendas altas e a educação cara também estão a levar mais jovens a “ficar deitados” e a contribuir para a quebra rápida na taxa de natalidade, apesar do fim da política do filho único.

“Os apelos para se “ficar deitado” têm, sem dúvida, preocupado a liderança chinesa, já que ameaçam acabar com a ambição do país de inovar e destruir a segunda metade da estratégia de desenvolvimento a longo-prazo do país – o objectivo de consumir”, escreve David Bandurski, especialista do China Media Project e citado pelo Raw Story.

Esta não é a primeira vez que movimentos deste género ganham popularidade na China. Em 2016, uma foto de um actor de uma sitcom dos anos 90 tornou-se um meme que representava a apatia da juventude chinesa.

Já em 2017, os cibernautas popularizaram o “ovo deprimido” Gudetama, uma personagem de uma série de desenhos animados japonesa. Estes fenómenos da Internet são sinais da cultura sang, a cultura do desinteresse que está a crescer entre os jovens.

Não há dúvida de que o conceito está ressoar com a juventude chinesa e a cultura de trabalho excessivo na China pode ter os dias contados. Resta saber se o tang ping vai continuar a ganhar tracção ou se os esforços do governo chinês vão ter sucesso.

  Adriana Peixoto, ZAP //