Dica De Escrita Como Pontuar Diálogos Curta Ficção
[DICA DE ESCRITA] Como pontuar diálogos | Curta Ficção #
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Oi, gente! Aqui é a Jana.
No livro Como escrever diálogos: A arte de desenvolver o diálogo no romance e no conto (Editora Gutenberg), Silvia Adela Kohan diz que o bom diálogo é uma forma narrativa das mais convincentes, uma estratégia literária que aproxima o leitor dos personagens por ser uma maneira de apresentar suas falas sem intermediário aparente.
Dependendo do tipo de discurso escolhido, a formatação adequada do texto se torna importante pra garantir a clareza do enunciado. Apesar de ser um recurso presente na grande maioria das obras de prosa de ficção, minha breve experiência com textos de autores iniciantes — em especial durante a análise do material enviado para o primeiro processo de seleção da Revista Mafagafo, da qual sou editora — mostra que pontuar e formatar corretamente os diálogos ainda é uma dificuldade comum.
Por isso, resolvi compilar todas as questões importantes sobre o tema, incluindo exemplos. A ideia é que esse texto seja um guia prático pra consulta em caso de dúvida, mas também achei importante tocar nos aspectos mais teóricos da questão. Pra facilitar a consulta desse texto de acordo com a sua necessidade, os tópicos abordados estão divididos segundo o sumário com links abaixo:
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1) DEFINIÇÕES E REGRAS GERAIS
1.1 Verbos de elocução (dicendi ou sentiendi)
1.2 Tipos de discurso
1.3 Quebra de parágrafos
1.4 Posição dos sujeitos (pronomes pessoais ou substantivos)
1.5 Escolha de travessão, aspas ou diálogo sem sinalização tipográfica
2) USANDO O TRAVESSÃO PARA SINALIZAR O DIÁLOGO
2.1 Hífen, traço médio e travessão
2.2 Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo com verbo dicendi/sentiendi
2.3 Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo comum
2.4 Como pontuar diálogo precedido por trecho narrativo terminado em verbo dicendi/sentiendi
2.5 Como pontuar uma fala dividida em múltiplos parágrafos
2.6 Como pontuar diálogo dentro de diálogo
3) USANDO ASPAS PARA SINALIZAR O DIÁLOGO
3.1 Posição das aspas
3.2 Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo com verbo dicendi/sentiendi
3.3 Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo comum
3.4 Como pontuar diálogo precedido por trecho narrativo terminado em verbo dicendi/sentiendi
3.5 Como pontuar uma fala dividida em múltiplos parágrafos
3.6 Pensamentos
3.7 Diferença entre a pontuação de diálogos no inglês e no português brasileiro
4) AGRADECIMENTOS E REFERÊNCIAS
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Os exemplos apresentados ao longo desse texto foram extraídos dos livros:
- Os Luminares, de Eleanor Catton (edição da Biblioteca Azul, com tradução de Fábio Bonillo)
- Exorcismos, Amores e uma Dose de Blues, de Eric Novello (Editora Gutenberg)
As marcações especiais (negrito e sublinhado) nos textos usados como exemplos foram feitos apenas para destacar o que foi explicado — e, portanto, não estão presentes no texto original.
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**1) DEFINIÇÕES E REGRAS GERAIS
**Antes de falar sobre as regras de pontuação do diálogo, que dependem do estilo de pontuação escolhido pelo autor, editor ou tradutor de um texto — uso de travessão ou aspas —, achei válido introduzir algumas definições presente nestas regras e apresentar também regras que possuem aplicação geral.
**1.1 Verbos de elocução (dicendi ou sentiendi)
**Segundo Othom M. Garcia, autor de Comunicação em Prosa Moderna (Editora FGV), verbos dicendi são aqueles verbos de elocução que indicam qual interlocutor está com a palavra. Em outras palavras, são os verbos que explicam um ato oral, como dizer, perguntar, responder, retrucar, continuar, finalizar, concordar e exclamar, entre outros. Verbos sentiendi, por sua vez, são aqueles que exprimem emoções, estados de espírito ou reações psicológicas do personagem, como por exemplo balbuciar, berrar, gaguejar, gemer, suspirar ou lamentar.
**1.2 Tipos de discurso
**Em sua Moderna Gramática Portuguesa (Editora Nova Fronteira), Evanildo Bechara apresenta os discursos direto, indireto e indireto livre em função da maneira com que os verbos dicendi e sentiendi são inseridos nas orações. O discurso direto é aquele em que o autor reproduz as palavras do interlocutor com ajuda explícita ou não dos verbos dicendi e sentiendi.
O discurso indireto é aquele em que, segundo Bechara, “os verbos dicendi se inserem na oração principal de uma oração complexa tendo por subordinada as porções do enunciado que reproduzem as palavras próprias ou do nosso interlocutor. Introduzem-se pelo transpositor que, pela dubitativa se e pelos pronomes e advérbios de natureza pronominal” (página 482).
Por fim, o discurso indireto livre introduz a fala do personagem sem nenhum elo com os verbos dicendi, e tem a particularidade de poder manter as interrogações e exclamações da oração originária.
**1.3 Quebra de Parágrafo
**Independente do estilo de pontuação escolhido, toda troca de turno conversacional — ou seja, toda alternância de locutor — deve ser marcada pela mudança de parágrafo. É recomendado manter a fala de um mesmo personagem em um só parágrafo, mas exceções podem ser abertas em caso de 1) falas interrompidas por trechos narrativos ou 2) falas muito extensas. No primeiro caso, o parágrafo pode ser quebrado e, depois do trecho narrativo, pode ser retomado com alguma indicação de continuidade como continuou, prosseguiu ou retomou.
O segundo caso será abordado nos itens 2.5 e 3.5
**1.4 Posição dos sujeitos (pronomes pessoais ou substantivos)
**A posição dos sujeitos (pronomes pessoais ou substantivos) é uma questão de escolha do autor, tradutor ou editor do texto: o pronome pode aparecer antes do verbo, depois do verbo ou pode até ser suprimido, caso o interlocutor já tenha sido apresentado antes.
**1.5 Escolha de travessão, aspas ou diálogo sem sinalização tipográfica
**Esta também é uma questão de escolha do autor, tradutor ou editor do texto. Porém, a tradição tipográfica brasileira propõe o uso do travessão, sistema de diálogo que é definido como padrão nos manuais de redação e guias de estilo da maior parte das maiores editoras do país (isso se aplica, em geral, a todas as línguas latinas). Em O Livro: manual de preparação e revisão, Ildete Oliveira Pinto diz que as aspas ficam restritas a dois casos: para realçar a fala que não segue uma réplica ou para assinalar um discurso direto dentro de outro discurso indireto.
O segundo caso será abordado no item 2.6.
Outra possibilidade é não utilizar sinalização tipográfica alguma para demarcar os diálogos. Nesse caso, estes são introduzidos no meio da prosa sem demarcação alguma ou seguindo os padrões de pontuação de diálogos que utilizam as aspas, conforme itens 3.2, 3.3 e 3.4. Os diálogos inclusos no meio do discurso livre indireto também não são demarcados, conforme mostrado no item 1.2.
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2) USANDO O TRAVESSÃO PARA SINALIZAR O DIÁLOGO
**2.1 Hífen, traço médio e travessão
**A primeira coisa a se notar no caso da escolha desse padrão tipográfico é o uso do sinal correto para indicar os diálogos. O hífen, a meia-risca e o travessão costumam ser frequentemente confundidos entre si, mas como o Rodrigo van Kampen fala
nesse texto, “existe um motivo pra sinais gráficos existirem” e é essencial utilizar cada sinal em sua devida aplicação. Veja a diferença entre os três sinais:
Hífen ou traço de união: –
Traço médio ou traço de divisão: –
Travessão: —
O hífen é usado para ligar duas palavras, como em bem-vindo, e apresenta uma tecla direta no teclado com padrão brasileiro. A meia-risca pode ser usada para ligar valores extremos de uma série, como em 0–10, e geralmente pode ser inserido através de atalhos no processador de texto (no Microsoft Word, o atalho é Alt + 0150). O travessão também pode ser inserido por um atalho (Alt + 0151 no Microsoft Word) e, além de ser utilizado para indicar mudança de interlocutor na transcrição de um diálogo, também pode substituir vírgulas, parênteses e colchetes para isolar palavras ou frases em um contexto ou ainda destacar enfaticamente o fim de um enunciado, conforme explicam Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova gramática do português contemporâneo.
Eventualmente, manuais de redação e guias de estilo padronizam o traço médio (Alt + 0150) como sinal de transcrição de diálogos, mas o hífen jamais é utilizado nessas circunstâncias.
Alguns processadores de texto substituem automaticamente o hífen duplo (–) por travessão. De qualquer maneira, se o autor não quiser utilizar os atalhos ao longo da escrita pra inserir travessões ou o traços-médios no texto, o uso do hífen duplo é indicado pois, posteriormente, é possível substituir todos os hifens duplos pelo sinal gráfico de escolha. Isso é impossível no caso do uso do hífen simples pra demarcação de diálogos, já que nesse caso a substituição automática também substituiria os hifens aplicados corretamente, transformando, por exemplo, bem-vindo em bem—vindo, uso inadequado do travessão.
**2.2 Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo com verbo _dicendi/sentiendi
_**No caso de diálogo seguido de trecho narrativo com verbo dicendi ou sentiendi, o diálogo não deve ser pontuado com ponto final e o trecho narrativo subsequente deve sempre começar com letra minúscula, mesmo quando o diálogo termina com ponto de exclamação, ponto de interrogação ou reticências, pois se entende a parte dialógica e a parte narrativa juntas compõem uma única frase.
Uma linha de diálogo pode ser interrompida no meio por uma oração contendo um verbo dicendi ou sentiendi. Se entre o primeiro e segundo elemento desta uma fala houver uma vírgula, ela é colocada após o segundo travessão. Em ambos os casos, a oração intercalada contendo o verbo dicendi ou sentiendi não é pontuada.
**2.3 Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo comum
**No caso de diálogo seguido de trecho narrativo comum, sem um verbo dicendi ou sentiendi, o diálogo deve ser pontuado (com ponto final, interrogação, exclamação ou reticências) e o trecho narrativo deve ser, necessariamente, iniciado com caixa alta.
Em alguns desses casos, o trecho narrativo comum pode vir em um novo parágrafo ao invés de vir diretamente depois do diálogo, com uso do travessão.
**2.4 Como pontuar diálogo precedido por trecho narrativo terminado em verbo _dicendi/sentiendi
_**No caso de diálogo precedido por trecho narrativo terminado em verbo dicendi ou sentiendi, este trecho deve ser terminado com dois pontos. Se o trecho terminado em verbo dicendi ou sentiendi for um parágrafo não iniciado em diálogo, depois dos dois pontos pode ou não haver uma quebra de parágrafo para introdução do diálogo.
Caso o trecho seja uma interpolação do narrador, não há quebra de parágrafo.
**2.5 Como pontuar uma fala dividida em múltiplos parágrafos
**Caso seja necessário dividir uma mesma fala em vários parágrafos, possibilidade introduzida no item
1.3, o primeiro parágrafo deve ser iniciado com travessão e todos os parágrafos subsequentes devem começar com abertura de aspas, que só se fecham ao final da fala, isto é, após o último parágrafo.
**2.6 Como pontuar diálogo dentro de diálogo
**Para assinalar um discurso direto dentro de outro discurso direto, o segundo diálogo deve ser assinalado com aspas. Nesse caso, caso haja uma oração intercalada com verbo dicendi ou sentiendi, esta oração fica fora das aspas, entre vírgulas ou vírgula e ponto final.
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3) USANDO ASPAS PARA SINALIZAR O DIÁLOGO
**3.1 Posição das aspas
**Quando o período é iniciado e terminado em aspas, mesmo com uma oração intercalada com verbo dicendi ou sentiendi, a pontuação final — seja reticências, ponto final, de exclamação ou de interrogação — é colocada antes do fechamento das aspas.
Caso o início do período não coincida com a abertura das aspas, então a pontuação final deve vir após o fechamento das aspas, independentemente da pontuação que finaliza o diálogo (reticências, ponto final, de exclamação ou de interrogação).
**3.2 Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo com verbo _dicendi/sentiendi
_**De forma análoga ao que acontece com o diálogo iniciado pelo travessão, o diálogo seguido de trecho narrativo com verbo dicendi ou sentiendi não deve ser pontuado com ponto final e o trecho narrativo subsequente deve sempre começar com uma vírgula do lado de fora do primeiro par de aspas seguida de letra minúscula, mesmo quando o diálogo termina com ponto de exclamação, ponto de interrogação ou reticências.
**3.3 Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo comum
**Ainda de forma análoga ao que acontece com o diálogo iniciado pelo travessão, o diálogo seguido de trecho narrativo comum deve ser pontuado (com ponto final, interrogação, exclamação ou reticências) e o trecho narrativo deve ser, necessariamente, iniciado com caixa alta. Nesse caso, não há vírgula entre o diálogo e o trecho narrativo.
**3.4 Como pontuar diálogo precedido por trecho narrativo terminado em verbo _dicendi/sentiendi
_**No caso de diálogo precedido por trecho narrativo terminado em verbo dicendi ou sentiendi, este trecho deve ser terminado com dois pontos. Se o trecho terminado em verbo dicendi ou sentiendi for um parágrafo não iniciado em diálogo, depois dos dois pontos pode ou não haver uma quebra de parágrafo para introdução do diálogo. Caso o trecho seja uma interpolação do narrador, não há quebra de parágrafo.
**3.5 Como pontuar uma fala dividida em múltiplos parágrafos
**Caso seja necessário dividir uma mesma fala em vários parágrafos, possibilidade introduzida no item
1.3, todos os parágrafos (inclusive o primeiro) devem começar com abertura de aspas, que só se fecham ao final do último parágrafo da fala.
**3.6 Pensamentos
**Em geral, pensamentos devem ser demarcados com aspas ou sem sinal tipográfico algum. No primeiro caso, a pontuação deve seguir as regras de pontuação para diálogos marcados com aspas.
**3.7 Diferença entre a pontuação de diálogos no inglês e no português brasileiro
**Embora a demarcação dos diálogos com aspas seja uma tendência contemporânea, de matriz-anglo-saxã, há diferenças entre a padronização de pontuação de diálogos no inglês e no português brasileiro. Assim sendo, os padrões usados em livros publicados em inglês (ou qualquer outro idioma) não devem ser utilizados como exemplo para pontuação de diálogos escritos em português.
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**4) AGRADECIMENTOS E REFERÊNCIAS
**Quando comentei nas redes sociais que gostaria de compilar as regras de pontuação de diálogos, fui contatada por muitos amigos e profissionais do mercado literário dispostos a ajudar. Agradeço à
Isa Próspero, à
Taissa Reis, ao
Michel Costa e ao
Hugo Maciel de Carvalho pelo compartilhamento de suas experiências e materiais de referência. Agradeço ainda à
Regiane Winarski e à
Luísa Dentello por oferecerem ajuda, ao
Eric Novello por facilitar minha busca por exemplos no livro dele e ao
Bruno Matangrano por ser o santo e paciente leitor beta desse texto. Por último, agradeço ao
Lee por ter me ajudado na formatação desse post. Qualquer bobagem escrita aqui é culpa minha, e não de nenhum deles. Deixo aqui o link de todos, caso estejam procurando serviços editoriais oferecidos por pessoas muito competentes.
Se você achar algum erro nesse material ou se quiser conversar sobre o assunto, pode deixar um comentário aqui no post ou entrar em contato comigo pelo Twitter ou pelo meu email, janayna.pin@gmail.com. Se você chegou no site por causa desse artigo e ainda não conhece o Curta Ficção, dê uma chance pra esse podcast de literatura que cabe no seu tempo. Quinzenalmente, publicamos episódios de 30 a 50 minutos sobre escrita, literatura e mercado editorial. 🙂
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